sexta-feira, abril 25, 2014

A troco de nada

 
De um caderno um tanto manso, inéditos escritos de um velho não tão longe assim, uma lição atemporal que nem mesmos todos séculos poderiam explicar:
 “Um vento cai melhor que uma palavra. Não me venha com essa de solidão. Vivo um momento de preguiça social. Uma espécie de necessidade involuntária de passar mais tempo comigo.
A troco de nada.
Na verdade, não tem origem em nenhum motivo que possa ser consertado por alguém. Nem ninguém. Não há qualquer ligação com mágoas ou relações arranhadas. A razão é positiva, viva, positivista!
Cercar-me de desconhecidos me impossibilita de me conhecer melhor. Conhecidos também não têm ajudado. Fazem-me perguntas que nem mesmo eu sei dizer. Aliás, são como aromas que sigo dentro de mim.
Como o calor da pele caçada, não há deserto que perdoe quem fique parado. A maior penitência da imobilidade é desinteressar os olhos. Partir para a mudança é romper com a realidade presente.
Ausentar-se, portanto.
Minha falta de instrução religiosa, por outro lado, me deixa em dúvida se preguiça social é igualmente um pecado. Ou se pecado mesmo é fazer da vida um ato sem graça. No entanto, ensina melhor meu espírito quando pede silêncio e deixa a própria verdade falar.
A distância rega a vida das relações. Traz à superfície o crescimento, permite ao tempo assinar sua obra. A preguiça, mesmo, não é de viver. É apenas da vontade de estar. Há no isolamento uma vívida intensidade, uma energia permissivamente egoísta, que só entendem os vulcões.”
 
Jacqueline Moraes

Nenhum comentário: